Quando ela acordou naquela manhã não tinha esperanças de ver a luz do dia; o que desejava era aquilo que há muito se tornara na sua rotina: deixar-se ficar na cama, cedendo aos caprichos do seu corpo doente.
Mas ela acordou naquela manhã e algo mudara…
Estava sozinha num quarto demasiado grande para a insignificância que se sentia ser.
Em cima de uma cadeira, daquela cadeira que sempre ali estivera, o seu robe repousava devidamente dobrado, foi então que ela reparou numa papel, um pequeno papel, que decorava a cadeira.
“Veste-me!”, estava escrito.
Com os pés quentes a pisarem o chão gelado, ela obedeceu à ordem escrita.
Ia voltar para a cama quando viu… Colada à porta com fita-cola, e quase a descolar-se, estava uma rosa e o respectivo bilhete:
“Segue-me!”
Ela saiu do quarto, agasalhada como quem vai entrar no branco da neve; o corredor, que sempre fora tão escuro, tinha o chão decorado com pétalas de rosa e lá longe, na maçaneta da porta principal, mais um bilhete se avizinhava.
“Abre-me!”
E ela abriu!
- Só mesmo tu! – disse.
Ele olhou para ela e sorriu com aquele sorriso capaz de derreter o maior dos icebergs.
- Pensei em tomarmos o pequeno-almoço fora de casa. – confessou.
- “Fora de casa” é cenário que me agrada!
Deram as mãos e caminharam rumo à floresta que começava a poucos metros de casa.
O vento não era forte mas corria uma brisa capaz de adivinhar o frio que em breve se faria sentir. As árvores agitavam-se como quem dança ao som de um silêncio que canta uma canção vinda algures do coração. Não se ouviam os passarinhos que por muitas vezes lhes fizeram companhia naqueles passeios, não se viam os pequenos animais que costumavam correr pelos arbustos que cresciam sem parar… Eles estavam completamente sozinhos… Não fosse a sombra que sobre eles pairava naquele dia.
- Como te tens sentido? – perguntou ele.
- Nada mudou!
- Nada?
- Nada!
- Temos pensar em…
“Temos de pensar em…” e ela deixou de ouvi-lo. Conhecia as palavras, Conhecia as suas ideias, era capaz de ler os seus pensamentos… Mas ela não queria pensar em nada. Acabou! Porque é que deveria lutar contra a corrente? O cancro venceu!
- Esquece! – disse ela, por fim, interrompendo o que para si fora um período de silêncio e onde ele tinha traçado cenários e planos de tratamentos e curas.
Ele respirou fundo! Nada mais poderia ser tão doloroso como a desistência… A desistência que o fazia sentir incapaz e inferior.
Chegaram.
A cabana, que tantas histórias tinha escutado, estava nas mesmas boas condições como há cinco anos atrás.
- Não acredito! – ela exclamou.
As pétalas de rosa cobriam o chão e alguns dos cobertores que por ele estavam espalhados. A bandeja com o pequeno-almoço figurava no canto mais próximo.
Ele sentiu uma súbita vontade de chorar… Ver aquela alegria era algo a que não estava habituado!
Mas ele tinha de ser forte! Forte pelos dois…
Comeram o pão com manteiga, beberam o sumo de laranja e o café quente, e deixaram-se estar por ali.
A chuva chegou de mãos dadas com o vento mas nada os poderia incomodar… Longe da grande casa e nos braços um do outro, nunca antes se sentiram tão em casa como naquela manhã.
Ela aproveitou o momento para reviver as histórias e os caminhos que os uniram; desde a escola até à separação quando foram para a Faculdade, do reencontro até aquele dia. Ela sempre se tinha sentido abençoada e nada do que lhe acontecera retirara essa ideia.
Ele pensava nos planos que fizera… Nas viagens que imaginara fazer com ela, nos lugares que queria conhecer e nos lugares que já conhecia mas que queria mostrar-lhe.
Ele sempre se pensara capaz de superar qualquer barreira mas tinha a certeza de que os tempos difíceis ainda estavam para vir.
Ela adormeceu nos seus braços enquanto que ele acariciava o cabelo que crescia a ritmo lento… Ela sempre tivera o cabelo comprido.
- Demasiado comprido! – queixava-se ela, de vem em quando, na brincadeira.
Mas agora o cabelo quase nem existia.
Ele deixou as lágrimas saírem, chorava sempre sem ela ver…
Ele tinha se ser forte! Forte pelos dois…
- Tiago? – ela chamou.
- Miriam? – ele respondeu.
- Promete-me que serás feliz.
Silêncio.
- Promete-me! – implorou-lhe. – Preciso ter alguma paz.
- Vamos para dentro?
- Não! Eu não vou a lado algum.
Ela não quis ser arrogante e, na verdade, não o foi. A sua voz soava fraca e docemente.
- Miriam!
- Promete-me! – pediu-lhe pela última vez.
Ele deixou de ser forte e chorou como nunca chorara antes.
- Prometo!
E ela sorriu.
- Mudaste o meu mundo – disse-lhe quase, quase inaudível. – Mudaste o meu mundo para muito melhor.
Ele continuava a chorar agarrado ao seu corpo…
Ela sorriu e deixou-se acolher pelos anjos.
- “O Nosso Mundo”? – perguntou alguém.
- Sim. – Tiago respondeu. – O mundo é nosso, vamos fazer alguma coisa por ele.
- Estás bem?
- Sim, Ricardo, estou óptimo.
- Faz hoje dois anos.
- Achas que há melhor forma de assinalar a data?
- Não, Tiago.
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