(imagem retirada da internet)
Elsa chegou a casa num corrupio... Enquanto estacionava o carro, só conseguia pensar no trabalho que a esperava.
- Hoje é sexta-feira - disse para si - Vou mas é descansar um pouco, dar um jeito a este cabelo, pintar as unhas com outro verniz e mais logo tratarei da papelada.
A "papelada" nada mais era do que um monte de informações, fotocópias e processos... Elsa era advogada e estava agora encarregue daquele que parecia ser o caso da sua carreira, por isso, tinha de concentrar a sua força e atenção... E isso não aconteceria se não estivesse relaxada!
A ideia de um longo banho quente não lhe saia da cabeça e nem reparou na quantidade de papel que ocupava a sua caixa de correio mas, ao subir mais um degrau das suas escadas, houve algo que lhe chamou a atenção.
O vento que corria em todas as direcções fazia com que um folheto publicitário batesse na caixa de correio e Ela voltou para trás.
- Tanta coisa!
Mal entrou em casa, coreu para a banheira e meteu a água a correr. Só depois se deu ao trabalho de olhar para a correspondência... Era o mesmo do costume:
Um folheto de um hipermercado; outro folheto de outro hipermercado.
Um folheto de uma loja de electrodomésticos; outro folheto de uma loja de artigos para o lar.
A conta da água, a conta do gás, a conta da electricidade.
- Mas estes gajos lembram-se de enviar as contas todas ao mesmo tempo? - barafustou.
Entre folhetos de promoções e a conta do telefone, estava um envelope diferente...
De um amarelo torrado e mais pequeno do que os outros, aquele envelope trazia consigo o mistério do remetente.... Apenas o nome de Elsa e a sua morada ilustravam o papel.
Sem pensar na água quente que caía na banheira, sem pensar no vento gelado que assobiava fora daquelas paredes, Elsa abriu a carta com cuidado... Mil e um pensamentos gritavam na sua consciência e não resistiu a sentar-se no chão quando começou a ler.
"Querida Elsa,
Dei muitas voltas até decidir o que aqui escrever; primeiro pensei em começar com os cumprimentos habituais e o cliché do "como estás?", mas neste momento o que me importa é saber que tens este papel na mão e que o meu coração está nele.
Desculpa! Isto é sincero! Desculpa aquilo que te fiz passar!
Desculpa o meu virar de costas tão repentino!
Desculpa o silêncio destes anos todos que passaram!
Agora sei que deveria ter lutado mais por nós! Tu sempre deste o que tinhas e o que não tinhas e eu, tão mal habituado, não soube dar-te o valor que tanto merecias!
Já deves ter ultrapassado (desculpa-me também por levar-te ao passado) mas eu precisava de dizer-te tudo o que ficou por dizer! E queria, acredita que queria, dizê-lo cara-a-cara... Talvez, um dia, isso seja possível.
Nunca consegui esquecer-te da maneira que desejava... Quis deixar-te nas memórias mais escondidas, quis deixar-te no canto mais longínquo do meu coração, quis que fosses apenas mais uma pessoa na minha vida, mas o sentimento que tive por ti continua comigo e posso afirmar com toda a convicção que te amo tanto hoje como amei nos tempos inesquecíveis que passámos juntos.
Fui um parvo! Fui um menino mimado que fugiu assim que apareceu o primeiro problema! Eu sei que me perdoaste, embora não tenhas esquecido! Eu sei que sempre tiveste o dom de dar uma segunda oportunidade! Eu sei que não guardas rancor!
Deves estar a perguntar o porquê desta carta.
Finalmente percebi as dimensões do meu erro e, por muito que eu queira abraçar-te, beijar-te, tocar-te, não posso simplesmente aparecer à tua porta como se nada tivesse acontecido e gritar: Estou aqui!
Já não sou assim tão egoísta! Já não sou tão egocêntrico!
Não sou ninguém para aparecer do nada e esperar que me recebas de braços abertos... Por isso decidi escrever-te (mesmo sem saber se esta continua a ser a tua morada).
De tudo o que tenho para te dizer, resumo em duas simples palavras:
DESCULPA!
Por tudo.
OBRIGADA!
Por tudo.
Tu foste (e és) um verdadeiro anjo e eu quero que nunca te esqueças dos sorrisos que me provocaste.
Um beijinho do tamanho do mundo,
Carlos."
Elsa limpou as lágrimas que lavavam as suas faces e releu cada uma daquelas palavras.
- Porquê, Carlos? Porquê, agora?
A carta tinha a data de há quinze dias e Elsa ainda estava indecisa se deveria ou não entrar em contacto com Carlos.
Após alguns momentos a ponderar, resolveu procurar o número de telefone da casa da mãe dele para apenas ter a oportunidade de dizer-lhe que recebera a carta e que não valia a pena pensar mais no passado; ele poderia continuar com a sua vida sem sentimentos de culpa, há muito tempo que estava perdoado!
Os números foram marcados com cuidado para evitar enganos e a espera até alguém atender pareceu demorar horas.
- Estou, sim? - alguém disse.
- Dona Maria, é a senhora?
- Sim! Quem fala?
- É a Elsa!
- A Elsa?
- Aquela que namorou com o seu filho!
- Ah menina! Como estás? É tão bom ouvir-te!
- Estou bem, obrigada! O Carlos está por ai? Precisava mesmo de falar com ele!
- O Carlos não está, minha filha. Tu ainda não sabes?
- Não! Não sei de nada!
- Oh minha querida, o Carlos morreu na semana passada!
- Morreu?! - perguntou Elsa com a voz sumida.
- Ele tinha cancro e não sobreviveu.
Elsa despediu-se com a mesma voz sumida e dirigiu-se à casa de banho onde a água continuava a correr; com os olhos a arderem por causa das lágrimas que caíam sem tréguas, ela sentou-se no chão e apertou com força as últimas palavras que ele escreva.
- Eu perdoei-te! - sussurrou.
nota: texto de ficção criado por mim para a "Fábrica de Histórias"
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