(Monsanto, imagem retirada da internet)
- Que dia lindo!!!
- Quinhentas e setenta e sete vezes!!!
- O quê?
- As vezes que já disseste isso, Tomás!
- Mas está mesmo lindo! Está-se tão bem nesta esplanada, sem nada para fazer, a ver as pessoas que descem a calçada...
- E sobem! A calçada também dá para subir!
- Oh Carolina, que bicho te mordeu hoje?
- O mesmo que te mordeu quando te passou pela cabeça vestires essa camisa vermelha!
- Isto não é vermelho!
- Pois não! É encarnado!
- Que mau humor!
- Pronto, desculpa! O dia está bonito, concordo, está-se bem na esplanada, também concordo, a tua camisa é vermelha, pois é!
- E tu pareces o touro pronto a atacar!
- Só mesmo tu para me fazer rir! Olha lá, tu não tinhas de ir não sei onde fazer não sei o quê?
- Tinha... Mas é só mais logo. Relaxa! São três horas da tarde, está calor, estamos à sombra a saborear um gelado de chocolate... Não há melhor.
- Sabes, Tomás, estamos à sombra mas eu estou a arder! Arre! Está mesmo calor! Quem diria que nesta aldeia do interior faria tanto calor no primeiro mês do ano?
- É verdade! Mas também estás vestida com essas cores escuras... Já sabes que ficas com mais calor.
- Pois sim! Como se o vermelho não fosse uma cor escura!
- Isto não é vermelho!
- Olha! O Manel vem ai! Ele parte-me toda com aqueles chinelos... Qualquer dia apanha um tombo que nunca mais se endireita!
- Ele já está habituado!
- Será que vem para aqui?
- Não sei! Podemos chama-lo!
- Olha, olha! Afinal vai para casa da Carlota!
- Pode ir para casa do Nuno, não sabes!
- Claro que sei! Ora repara: a casa que está mesmo aqui à frente é a do António, a segunda do lado direito é a dos pais do Miguel, a terceira é a da Carminda do supermercado, a quarta é a do Nuno e a quinta, onde o Manel entrou, é a da Carlota!
- Olha que é mesmo! Tens isto tudo orientado!
- Claro, Tomás! Aqui as casas parecem todas iguais! Parecem clones de clones!
- Carolina tens um lagarto na saia, os Carolina tens um lagarto na saia!
- Estás parvo? Pára lá com essa canção! Nem sequer é assim...
- Tu não sabes como é!
- Nem quero saber! Pára com isso, repara naqueles senhores da mesa do canto a olharem para nós! Eles não estão habituados a receber malta nova por cá.
- Dizes tu...
- Foi a Carlota quem disse! Quando eu lhe pedi ajuda para o projecto ela nem hesitou; disse logo que a aldeia natal dela era a melhor para a nossa investigação e que seria bom virmos para cá porque isto é... Muito morto! Sim, muito morto foi o que ela disse!
- Bem, eu pensava que era uma aldeia envelhecida mas, afinal, os jovens vão resistindo!
- Ainda bem!
- Sim, Carolina, ainda bem! Isto aqui é muito bonito! Nem interessa que as casas sejam iguais ou que as ruas sejam de paralelos ou que apenas haja um café que é ao mesmo tempo supermercado.
- Imaginas-te a viver aqui... Para sempre?
- Não sei! Estou habituado a outras coisas... Aos cinemas, às livrarias, às auto-estradas, à confusão citadina... Enfim, não me vejo aqui para sempre mas é, sem dúvida, um bom lugar para passar umas férias!
- Ouve lá, onde é que vais logo?
- Isso interessa?
- Interessa! Também quero ir!
- Mas não vais! Só se disseres que a minha camisa vermelha é bonita!
- É bonita, sim senhora! A camisa vermelha é bonita e fica muito bem com essas calças azuis!
- Bem que te podias esforçar para que isso parecesse sincero!
- Pronto, está bem! A camisa é bonita e fica-te muito bem, sobresai a cor dos teus olhos! Está melhor assim?
- Um bocadinho mas, se quiseres ir, terás de pedir com jeitinho.
- Oh Tomás, leva-me contigo, logo, onde quer que fores... Com jeitinho.
- Palerma! Está bem! Eu digo-te onde vou mas já sei que não queres ir...
- Sabes nada!
- Sei sim!
- Então diz onde vais!
- Vou ver se está a chover!
- Eu vou-me zangar contigo!
- Ooohhhh! Faz beicinho, faz!
- Sabes que mais? Podes ficar com o teu mistério, já não quero saber! Logo à noitinha, eu vou vestir aquele vestido que tu bem conheces e vou...
- Vais para onde? Subir e descer a calçada? Aqui o café fecha às dez e não há mais sítio nenhum para onde possas ir... A não ser para casa da Carlota!
- Não importa! Visto o vestido e fico em casa... Tanto faz!
- Vá! Dá cá um beijinho, sim? Eu digo-te onde vou, está bem? Vou ao reservatório da água buscar as análises!
- A um sábado à tarde?!
- Sim! Ficam prontas hoje! Olha, lá vem o Manel e a Carlota! Ali há caso!
- Eu vou averiguar isso... Deixa-os chegar! Peço à Carlota para ir comigo lá dentro ao balcão e faço com que ela conte tudo!
- Tomás, Carolina! Tudo bem?
- Está tudo, Manel! Oh Carlota, vem comigo lá dentro buscar uns refrigerantes para os rapazes!
- É para já!
- Manel, tens tudo pronto para logo?
- Tenho, Tomás! Mas temos de ser cuidadosos.
- Não te preocupes, a história das análises pegou.
- A Carolina não desconfiou que isso é mentira?
- Não! Ela sabe que mandamos analisar a água e não tem interesse algum em ir comigo ao reservatório, portanto... estou safo!
- Estás safo... É como quem diz! Quando ela souber que lhe mentiste....!!!
- É por uma boa causa!
- Lá isso é! Preparar um pedido de casamento é sempre uma boa causa!
- Ainda mais quando é surpresa!
- Desconversa, Tomás! Elas vêm ai!
Nota: texto de ficção criado por mim para a "Fábrica de Histórias"
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